o silêncio
resta-me apenas o silêncio
que me dizem os gestos das tuas palavras…
e bebendo o teu olhar
espero-te no alpendre
talhado por mãos
feitas poema
é madrugada!
tenho o teu odormetáfora que emprestasao corpo que deitas comigona noite de todos os viveres...é madrugada!
acorda-nos o desejo,
respira-se a terra molhada...
é tempo dos sentires.
Miguel Torga Antologia Poética
Não tenho mais palavras.Gastei-as a negar-te...(Só a negar-te eu pude combaterO terror de te verEm toda a parte.)"
Miguel Torga
Antologia Poética
Há sem dúvida
“O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...”
No silêncio da noite
"Volta até mim no silêncio da noite
a tua voz que eu amo, e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos. Volta
com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa; e traz
contigo a maré da manhã com que
todos os náufragos sonharam"
Nuno Júdice
Há mundos
"Há o risco de um pássaro a voar quando se atira um amor ao mundo.Há mundos que não têm céu suficiente para acolher um amor assim.
Se quando olhas para o céu vês um espaço diminuto demais para lhe poderes lançar o que sentes: então é amor."
In sexus veritas, de Pedro Chagas Freitas.
silêncio que entardece
"escrevo-te deste tempo ausentecom pupilas dilatadas.escrevo-te quase só, exausto,quase cego, quase louco.ninguém escuta a minha voz sobre as ruínas,o grito, a dor, nada.há um poema que atravessa os muros,um nó que se aperta na garganta,um silêncio que entardecequando todos partem.sou, talvez, um caminhante solitáriopelas estrelas sem nome.aquele que caminha quando todos dormemfechando todas as portasque o tempo não apaga."
Paulo Eduardo Campos | 'A casa dos archotes' (2011)
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