se ao menos esta dor sangrasse

Se ao menos esta dor servisse 
 se ela batesse nas paredes 
 abrisse portas 
 falasse 
 se ela cantasse e despenteasse os cabelos 

 se ao menos esta dor se visse 
 se ela saltasse fora da garganta como um grito 
 caísse da janela fizesse barulho 
 morresse 

 se a dor fosse um pedaço de pão duro 
 que a gente pudesse engolir com força 
 depois cuspir a saliva fora 
 sujar a rua os carros o espaço o outro 
 esse outro escuro que passa indiferente 
 e que não sofre tem o direito de não sofrer 

 se a dor fosse só a carne do dedo 
 que se esfrega na parede de pedra 
 para doer doer doer visível 
 doer penalizante 
 doer com lágrimas 

 se ao menos esta dor sangrasse 

Renata Pallottini
 in 'A Faca e a Pedra'

(imagem: mikailahautumn.tumblr.com)

Se ao menos esta dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse os cabelos
se ao menos esta dor se visse
se ela saltasse fora da garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse
se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua os carros o espaço o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer
se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas
se ao menos esta dor sangrasse
Renata Pallottini
in 'A Faca e a Pedra'

o silêncio



resta-me apenas o silêncio
que me dizem os gestos das tuas palavras…

e bebendo o teu olhar
espero-te no alpendre
talhado por mãos
feitas poema

é madrugada!

























tenho o teu odormetáfora que emprestasao corpo que deitas comigona noite de todos os viveres...é madrugada!
acorda-nos o desejo,
respira-se a terra molhada...
é tempo dos sentires.

Miguel Torga Antologia Poética




Não tenho mais palavras.Gastei-as a negar-te...(Só a negar-te eu pude combaterO terror de te verEm toda a parte.)"

Miguel Torga
Antologia Poética

Há sem dúvida



“O que há em mim é sobretudo cansaço — 
Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada: 
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço. 
A subtileza das sensações inúteis, 
As paixões violentas por coisa nenhuma, 
Os amores intensos por o suposto em alguém, 
Essas coisas todas — 
Essas e o que falta nelas eternamente —; 
Tudo isso faz um cansaço, 
Este cansaço, 
Cansaço. 
Há sem dúvida quem ame o infinito, 
Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
Há sem dúvida quem não queira nada — 
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
Porque eu amo infinitamente o finito, 
Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
Ou até se não puder ser... 
E o resultado? 
Para eles a vida vivida ou sonhada, 
Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... 
Para mim só um grande, um profundo, 
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 
Um supremíssimo cansaço, 
Íssimo, íssimo, íssimo, 
Cansaço...”

Álvaro de Campos, in "Poemas"

um frio



“tive frio, um frio
feito de tudo com que atulhámos a distância.”

Rosa Alice Branco

Tenderness



“Without Tenderness a Man is Uninteresting…”
Marlene Dietrich

No silêncio da noite



"Volta até mim no silêncio da noite
a tua voz que eu amo, e as tuas palavras
que eu não esqueço. Volta até mim
para que a tua ausência não embacie
o vidro da memória, nem o transforme
no espelho baço dos meus olhos. Volta
com os teus lábios cujo beijo sonhei num estuário
vestido com a mortalha da névoa; e traz
contigo a maré da manhã com que
todos os náufragos sonharam"

Nuno Júdice

Há mundos




"Há o risco de um pássaro a voar quando se atira um amor ao mundo.Há mundos que não têm céu suficiente para acolher um amor assim.
Se quando olhas para o céu vês um espaço diminuto demais para lhe poderes lançar o que sentes: então é amor."

In sexus veritas, de Pedro Chagas Freitas.

silêncio que entardece


 
"escrevo-te deste tempo ausentecom pupilas dilatadas.escrevo-te quase só, exausto,quase cego, quase louco.ninguém escuta a minha voz sobre as ruínas,o grito, a dor, nada.há um poema que atravessa os muros,um nó que se aperta na garganta,um silêncio que entardecequando todos partem.sou, talvez, um caminhante solitáriopelas estrelas sem nome.aquele que caminha quando todos dormemfechando todas as portasque o tempo não apaga."

Paulo Eduardo Campos | 'A casa dos archotes' (2011)

Ever Tried…



“Ever Tried…Ever Failed…No Matter…Try Again…Fail Again…Fail Better…”

Samuel Becket